quarta-feira, 9 de setembro de 2015

PROSADORES DEVEM LER POESIAS? - Antonio Carlos Mangueira Viana

PROSADORES DEVEM LER POESIAS?


Já ouvi algumas pessoas dizerem que quem escreve prosa deve ler sobretudo os prosadores para aprender com eles como narrar, descrever, contar uma história. Quem escreve poesia deve ler os grandes poetas e assim aprender com eles como se faz um bom poema. Assim, quem escreve contos só deve ler os contistas; quem escreve crônica, só os cronistas... Tudo seria muito pobre se assim fosse. Eu sou um inveterado leitor de poesia, que vive correndo atrás do que vêm publicando tanto velhos quanto novos poetas. Creio que devemos ler tudo o que nos ajudará a desenvolver melhor o nosso ofício.
E o que a poesia tem a dar a quem trabalha com prosa? Primeiro: o ouvido. Educar o ouvido com os poemas de uma Cecília Meireles, de um Drummond, de um Bandeira, e mesmo com o metálico João Cabral, é ficar atento ao mínimo ruído que perturba a frase. Segundo: o ritmo. Um bom texto, seja ele em prosa ou poesia, precisa ter ritmo. E nada ensina mais o que é ritmo do que um bom poema. Preste atenção na cadência das palavras, nas rimas (se houver), na sequência dos sons. Há prosa mais cadenciada do que a de Guimarães Rosa? Terceiro: a escolha das palavras. Com a poesia, aprendi que o ritmo nasce de uma sequência de sons que nos roubam o ouvido. No meu trabalho, muitas vezes fico procurando uma palavra que caiba em determinado fragmento de frase só para criar um ritmo capaz de lhe dar uma cadência. E isso leva até meses para encontrá-la.
Há livros que a gente lê sem nenhuma dificuldade, que fluem como água clara escorrendo suavemente. Há outros que parecem feitos a martelo, um rio de cheio de pedregulhos, um obstáculo a cada frase lida. Por que alguns autores nos conquistam logo de saída e outros não? A resposta está no ritmo, na cadência das palavras, nos sons que se combinam, no ouvido que o escritor apurou para transmitir ao leitor o melhor de sua prosa. A poesia me ensinou muito e ainda me ensina. Antes de procurar o sentido de um poema (muito cuidado com isso!), estenda seu ouvido aos sons que ele agencia, ao ritmo que nele predomina, às palavras que aparecem no seu corpo em lugar de outras que seriam seus sinônimos. Ler o poema com as palavras ausentes diz muito mais de sua fatura do que ir ao dicionário em busca de um sentido para elas.




ANTONIO CARLOS MANGUEIRA VIANA

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